
Assisti à última entrevista da Regina Navarro na Marília Gabriela e li alguns textos e entrevistas pela rede e confesso que até pouco tempo não conhecia seu trabalho. Não li seus livros (se alguém quiser me presentear, essa é uma boa sugestão), mas dentro da minha linha de pensamento e crenças, posso tentar descrever minha opinião sobre seu posicionamento e teses. Em primeiro lugar, ela não é apenas sexóloga, é psicanalista com anos de experiência e pesquisa, o que por si já é uma ótima referência. Conhecimento e leitura (ou amparo bibliográfico, como queiram) e uma capacidade de raciocínio e comunicação que provavelmente são 50 por cento do seu segredo transformaram essa senhora em um sucesso. Discordando ou concordando, digo que é leitura obrigatória e imperdível cada entrevista que concede. E sou uma que discorda e concorda ao mesmo tempo.
Na última entrevista achei ótima a distinção entre mulher independente e mulher autônoma. A independente é a que trabalha, se sustenta e apenas por isso bate no peito e diz que se banca, mas nas relações pessoais repete os mesmos comportamentos antiquados e retrógrados que combatemos há tempos. A autônoma é a que pensa e age por si, se entende como mulher independente de ter ou não um parceiro, que vive sua vida não como uma engrenagem de um sistema, mas como integrante da própria vida; que educa os filhos para pensar e viver como adultos completos, independente do sexo ou orientação sexual. E é essa mulher autônoma que devemos ser, pelo menos é a que eu tento ser. Tenho amigas que adoram bater no peito para dizer tenho meu apartamento, me sustento, mas deixaram gradativamente até objetivos de vida em um canto escuro porque “ah, se eu quero ter uma relação é assim, tem que conceder” e admitem que deixaram muito da sua vida de lado enquanto a vida do parceiro permaneceu igual. Independência? Onde está a mulher que se banca, mas morre de medo de lutar pelo seu espaço e direito?
Reciprocidade é o lema da mulher autônoma. Ela não vai se queixar de que o marido não ajuda nas tarefas da casa e ensinar ao filho que ele tem que pegar todas e não ajudar na casa, sobrecarregando a filha de cobranças e exigências. O filho “come todas”, a filha se preserva e ajuda na casa. A autônoma entende que a vida é feita de negociações, mas que ela precisa ter seus objetivos de vida e sua individualidade respeitada. Outra afirmação da Regina Navarro que acho perfeita é que os homens sofrem também com todo esse estigma do machismo, que ambos os sexos perdem nesse paradoxo absurdo. Sempre compro briga com as amigas porque afirmo que esse pensamento de que homens não prestam, que são diferentes, que não amam e todo esse blábláblá retórico de um machismo disfarçado de feminismo é uma maneira de se colocar como eterna vítima e não ser responsabilizada por suas escolhas erradas e pensamentos retrógrados.
Percebo pontos falhos em seu trabalho, entretanto. Não sou antropóloga, apesar de gostar e ler sobre o tema, mas quando Regina Navarro afirma que as relações devem ter liberdade sexual, que o amor romântico é responsável pela monogamia e deixa de lado o fato de que o ciúme é inerente à condição humana, existe desde tenra idade porque é uma maneira adquirida com a evolução da espécie de ter a atenção dos pais, garantindo sua sobrevivência, cuidados e crescimento. Aliás, se observarmos a natureza, os machos disputam as fêmeas, nossos animais de estimação também se enciúmam se um novo membro surge na família, se alguém tenta “roubar” seu humano ou outro bichinho preferido, enfim, inúmeras situações entre os seres vivos denotam esse sentimento. Ignorar esse fato é, acredito, não considerar uma característica intrínseca à condição humana. Obviamente, as situações patológicas e obsessivas existem, sentir ciúme e ter inseguranças é uma situação, outra é querer ser dono do outro, perseguir e exigir exclusividade ou dominação. Esse é um dos pontos falhos do raciocínio dela, ciúme não é adquirido. Por isso, essa defesa da liberdade sexual nos relacionamentos tem dois lados extremamente distintos e que devem ser considerados.
Outra questão importante é sobre sua última obra, em que afirma que as mulheres eram queimadas na inquisição por terem feito sexo com o demônio ou serem servas dele, ou seja, por exercerem seu direito de fazer sexo. Essa afirmação é extremamente parcial e vou explicar o porquê. Não sou wiccana praticante, mas leio e admiro muito a filosofia que defende o respeito à natureza e à condição feminina e, naquela época em que os homens ficavam meses ou anos lutando em guerras, que o trabalho no campo exigia o afastamento masculino para a lida ou para a caça, as mulheres eram responsáveis pelos cuidados com a prole e com o clã ou família. Eram conselheiras, curandeiras, fabricavam emplastros e poções caseiras para a tribo, tinham suas ajudantes nesses serviços e conheciam profundamente as ervas e os ciclos da natureza. Por isso, eram procuradas pela sua capacidade de cura e ou auxílio no tratamento de doenças e a nobreza as respeitava secretamente. Quem tem o poder de cura e aconselhamento, através das vidências, influencia profundamente até decisões políticas. Esse também era um dos motivos pelos quais as judias também eram perseguidas, profundamente místicas. E a questão sexual era por que as amantes ou cortesãs eram influentes politicamente. Como se observa, reduzir tudo ao sexo contradiz até Freud (ao contrário do que se afirma, para ele, não era tudo uma questão sexual).
A questão do machismo é muito mais abrangente do que se pode supor. De início, como Regina Navarro descreve muito bem, as mulheres eram respeitadas por serem consideradas deusas, o ciclo menstrual era desconhecido, obviamente como a gravidez acontecia também. Com a descoberta disso, os homens foram tomando o poder para si, gradativamente e as mulheres perderam espaço. Mas nunca perderam de todo o poder e a influência sobre esses pretensos machos alfa. O que não gosto em seu pensamento é que ela me deixa com a impressão de que deve haver uma frieza nas relações, um afastamento ou até falta de carinho. Como se as insondáveis equações afetivas fossem desconsideradas. Obviamente, como ela afirma e eu mesma já vivi algo parecido, muitos relacionamentos são pautados pelas neuroses em comum e não pelo afeto.
Discordando ou concordando, afirmo que é uma leitura obrigatória para homens e mulheres, se há pontos falhos, em minha opinião, há várias considerações muito boas sobre o feminismo e a situação da mulher no mundo moderno. Vale a pena pelo conhecimento e vasta experiência da psicanalista. E, também, para ter mais argumentações sobre nosso papel nesse caótico e estranho mundo moderno.
publicado originalmente em www.papodemulher.blog.br
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