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Levando o fim


Quando não se sabe o que quer ou precisa, vivemos uma ilusão, a de que somos felizes, que estamos realizados. Acreditamos que temos tudo na vida e que estamos completos. Mas uma voz lá no fundo, aquela voz que insistimos em não ouvir, sussurra que falta algo ou alguém. Vivemos cegos para a realidade, para os vazios, para as faltas. Por isso tentamos de várias maneiras enganar nossa voz, fingir que está bem. Na verdade, há faltas que são ausências silenciosas e insistentes. Quando você se dá conta disso, é como um baque, uma represa liberando a torrente de água inteira em sua cabeça.

Um dia, um belo dia, você tem uma relação de vários anos que entra em crise, aliás, é você quem entra em crise. Aquela voz, lembra, a que você ignorava. Ela já grita e é impossível desfocar. De repente, todas aquelas noites em que você não dormia de conchinha e achava que não eram necessárias passaram a lhe assombrar. Todos os olhares que vocês nunca trocaram entre os travesseiros transformam-se em angústia. Todas as piadas particulares nunca entendidas através de olhares são uma lâmina cortando sua ilusão. A ilusão que você queria acreditar, a de que estava feliz, que havia encontrado uma grande parceria afetiva. Você percebe que não tem o que sempre quis, talvez porque não havia se perguntado o que realmente queria. Quando não se sabe o quer, aceita-se o que não quer.

Teimamos em não olhar para dentro do nosso coração, tudo que você quer e não entendia que queria começa a fazer falta. E como faz falta, surge em várias situações diferentes, como nos assombra. Você tenta fingir, mas não consegue. Relação rompida. E você percebe que pode ter isso. Percebe que você não é o problema, que casais permanecem juntos pelos motivos errados. Aliás, resolvem ter uma relação  pelos mesmos motivos errados. Mas um dia nosso coração já não se contenta com as mentiras que contamos, já não há argumentos que sustentem a situação, fingir acreditar que está tudo bem é uma opção inválida. Surge a angústia, resultado da batalha entre o que você acha que deve querer e o que realmente quer. O vazio, aquele que sempre lhe incomodava quando estava com a pessoa, transforma-se em um buraco negro lhe tragando. Você vai percebendo que o sexo sempre deixava a desejar, um incômodo questionamento, uma falta.

É inevitável a sensação de que se aquela relação não der certo é um fracasso pessoal. E tem o medo do novo, de uma nova realidade, de uma nova relação que pode surgir. O medo de como será sua vida, como será a reação dos outros. E você descobre que os outros não tem nada a ver com isso, que é a sua vida e suas frustrações que estão na balança. É impossível continuar se enganando. Você tem que aceitar: essa vida não lhe serve mais, essa pessoa não tem nada a ver com seus sonhos e planos atuais. Acabou, fim. Mas dar fim é uma tarefa árdua, sofrida e desgastante. E vale muito a pena!

Dar adeus a alguém é dar adeus à um pedaço da sua vida, uma parte da sua história fica para trás. E faz parte do amadurecimento pessoal aceitar que junto com o fim da relação vão embora equívocos, algumas neuroses e, talvez, um padrão familiar que nunca lhe serviu, mas, sem perceber, você repetiu. Sim, repetimos comportamentos e neuroses dos nossos pais, mesmo tendo ojeriza a isso. É uma repetição disfarçada, inconsequente e você percebe à medida que o tempo passa. Mas que pode, durante o tempo em que você sustenta a relação, minar sua vontade, levar embora sua paciência e trazer angústia e ansiedade. Ainda bem que um dia o balde transborda. E a vida se apresenta para quem quer lhe conhecer, o acaso pode transformar pequenas descobertas em ouro puro. E você, revive, renova. Como uma borboleta tardia que sai do casulo.

publicado originalmente em www.papodemulher.blog.br

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