O gênio, o crime e a loucura, provêm, por igual, de uma anormalidade; representam, de diferentes maneiras, uma inadaptabilidade ao meio.
Fernando Pessoa
A loucura é uma caverna. Na loucura é o isolamento da realidade ou a dificuldade em se relacionar com o mundo exterior que predomina, a dificuldade em aceitar ou lidar com as rotinas que nos são apresentadas que minam a capacidade de discernimento e interação com o meio. A loucura é como uma nuvem ou sombra que domina a mente humana, esvanece nossa vontade. Tenho refletido sobre as motivações da loucura, a causa desse tsunami que arrasta um indivíduo para longe do mundo ou de si. Acredito que enlouquecer também é refugiar-se, esconder-se em algum lugar obscuro de sua mente para evitar esse fio da navalha que é a vida. Salvo alguns casos (acredito que poucos) em que há disfunções fisiológicas irreversíveis, talvez ceder à loucura seja uma fuga, um esconderijo. Uma caverna. Um lugar em que a resistência em se adaptar, amadurecer ou o quê for, induza uma pessoa a viver em um mundo próprio, auto-centrada.
Tenho a desconfiança de que todos nós, em algum momento crítico, imaginamos uma emoção ou sentimento fugindo ao controle, dominando os pensamentos, obcecando ou cegando para a realidade. Ou, então, quando vem ondas enormes de tormento nos levando maré adiante para longe de onde deveríamos estar. Sentir, em alguns momentos, que enlouquecer era eminente, que abstrair do mundo e isolar-se nessa caverna escura do inconsciente daria a segurança necessária, que o mundo interior bastaria e nele encontraria a verdade. Fuga, isolar-se em um mundo próprio é uma faceta do egoísmo em acreditar ser apenas a própria vida a necessária. Mas viver é um risco, é caminhar nesse fio da navalha equilibrado-se bem ou mais ou menos. E o sofrimento é inevitável, acredito até que enlouquecer (em qualquer grau) é mais cortante. Isolar-se em si não fará o sofrimento desaparecer, é revivê-lo indefinidamente. Talvez o louco escolha o sofrimento apenas para ter atenção, manipular o mundo em sua volta. Mas, um dia, a flecha retorna.
Tudo isso porque lembrei de uma conversa que tive com uma amiga, sobre a mãe dela, uma depressiva, de como sua mãe se vitimizava e tudo a afetava. Comentei que, se observássemos bem, poderíamos nos arriscar a afirmar que uma pessoa que sofre de algum transtorno de personalidade ou humor é, em um grau maior do que a média, egocêntrica. Esperando que o mundo se adapte à ela e não ao contrário, a pessoa que tem alguma disfunção está isolando-se em uma caverna que conhece e espera (ou exige) que os outros se adaptem. É sofrido, mas as dores que a vida nos impõe, as escolhas, as atitudes que um ser humano saudável (não normal, a normalidade é relativa) tem, são difíceis para alguém assim. Enlouquecer seria como refugiar-se do mundo, isolar-se de tudo que nos fere, mas, também, do que nos alegra, motiva e purifica. O doente (ou louco) vive imerso em si e analisa a vida apenas sob sua ótica, quer, por força de ações ou pensamentos, atrair aos outros para reconhecer-se gente. Os obsessivos, por exemplo, tem dificuldades para reconhecer seus desejos e aspirações, então os depositam no Outro. Ou são submissos à vontade ou desejo do outro, ou são manipuladores, testam a todo momento seu poder sobre quem lhe rodeia. O louco poderia ser, talvez, alguém que não aprendeu a lidar com as frustrações e a impermanência e volatilidade da vida. A ele importa apenas seu desejo, chorar a morte dos pais por não ter a quem impor seu tormento e nem seus alvos principais.
Acredito que o suicida é alguém que está entre a sanidade e a loucura, duas vozes poderosas gritando em sua mente e que fazem a existência nesse mundo insuportável. Não é um ato de coragem ou covardia, apenas uma tentativa de não estar sempre no limiar de um e outro, não saber como agir. O suicida apenas não aguentaria mais seus dilemas e dar fim à sua vida é a maneira que considera mais prática. Alguém pode argumentar que não há nada de prático em dar fim à própria vida, que há outros caminhos. O suicida não vê saída, não enxerga caminho algum além da morte. Essa teia sutil em que nos envolvemos desde o berço é forte e transparente, o suicida sente-se enredado por ela de uma maneira tormentosa e não pretende ceder, então, morrer é a única opção. Entre e sanidade e a loucura, escolhe morrer.
Mesmo que eu ou você viva emocionalmente saudável, em algum momento da nossa vida a loucura se apresenta através de outra pessoa. Não estamos livres dos desequilíbrios alheios, da loucura de alguém que não aceita ser a vida uma metamorfose e que é preciso seguir em frente. O louco vive preso ao tempo dele, inventa uma realidade que não existe, a distorce para justificar seus atos insanos e desmedidos. O louco é alguém que se prende ao passado ou a um mundo inexistente para viver e esquece que a vida é feita da realidade, boa ou má, são as escolhas de cada um que determinam o presente ou o futuro. Enlouquecer é se prender a um sofrimento eterno, enquanto os demais estão ali, vivendo, realizando. Por pior que seja a frustração, o medo, a agressão, viver ainda é melhor do que enlouquecer.
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