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A arte de remendar



Remendar um coração é tarefa difícil, complicada. Se muito tempo passa entre um remendo e outro, as chances de seu coração se aprontar rápido e se defender menos, assim como não fazer muita merda por ter tido tempo de refletir sobre os erros, inclusive os seus, são maiores. Mas e quando os remendos sucedem um atrás do outro em um espaço de poucos anos? Não, pessoas, nem sempre a criatura tem um coração vagabundo, muitas vezes, é alguém que aprendeu o que quer e como quer se sentir em uma relação e isso seleciona futuros envolvimentos com sabedoria. E a pessoa vira um imã para quem procura o mesmo, ainda que não admita. Há sim, alguém por aí, que pode não ser a pessoa adequada para você, mas é a certa (tenho uma teoria sobre o certo e o adequado). E podem estar em maior número do que imagina. O que as faz ficar com você ou não é um fator controverso.

Independente disso, conheço pessoas que nem olham para os lados exatamente por medo de ter que se remendar. Já escrevi reflexões sobre os princípios de relações e sobre as despedidas de quase futuros amores, mas nunca sobre essa refinada e doída arte de remendar o coração. Arte que domino, assim como mais algumas pessoas amigas, nos solidarizamos várias vezes em nossas dores. O último remendo (e, também, a última despedida) foi especialmente difícil e agora apenas peço não precisar mais me remendar, que se alguém quiser meu coração, que fique. Cada parte de um remendo é um aglomerado de lágrimas, questionamentos e dor, um tempo em que estamos em suspenso. E precisamos passar por isso para preparar nosso coração, deixá-lo leve, novamente.

Há pessoas que não se remendam, apenas cometem o mesmo erro, relação após relação. Se permitissem o caos que remendar traz, aprenderiam muito sobre si e evitariam as mesmas situações que ferem, amadureceriam. Dói demais costurar um coração, mas evita que mesmos erros sejam cometidos futuramente. Corações sensíveis sofrem, mas procuram se erguer, afinal, hoje é o dia de viver, não ontem e nem amanhã. Sentir sempre nos deixa vulneráveis, inseguros, afinal, se o outro partir, tudo se acaba. Preferível procurar motivos para dar errado do que para dar certo, ou, até pior, se envolver em uma relação pela metade, motivado mais pela paixão pela relação do que pela admiração, é melhor por fazer infeliz. Ser infeliz é mais fácil, mais seguro, há alguém ou uma situação para culpar pela nossa infelicidade. Seguir em frente, sem medo, quando nosso coração fica mexido, é bem mais complicado. E digo coração por acreditar na intuição, na percepção. Quando dois corações se encontram, pode ser assustador e difícil lidar, mas faz a vida valer a pena.

Enquanto não acontece, aprenda a se remendar, posso dar dicas preciosas e úteis, afinal, sou especialista. E isso me faz feliz, sabe, tenho uma história e um coração que, afinal, rompeu com seu derradeiro cadeado e quer ser feliz, embora algumas vezes partido. Remendos são como aquelas fotos de relações que não significam mais nada e as mantemos para poder lembrar do caminho que percorremos para chegar até ali. Olhamos para a pessoa e a situação da foto e não sentimos mais nada, apenas relembramos o aprendizado que nos trouxe. Pode parecer contraditório um coração remendado ser inteiro e o é.  O meu, tenha certeza de que é inteiro e transbordante. Apenas aprendeu melhor como ser e fazer feliz, como se relacionar melhor. A arte de remendar, portanto, poderia ser um aprendizado para a arte da entrega afetiva. Pense nisso. Eu tenho pensado. Há muita dor em cada remendo e, também, aprendizado. 

Comentários

  1. Opa!!! Adorei! Sim, eu sou especialista em remendos. Me considero uma ciborgue, feita de vários pedaços, sempre me aprimorando. O mais importante de tudo é: eu já não repito os mesmos erros! E nem permito que as mesmas conversas-moles me melequem os ouvidos e me preencham o coração. Até porque, como dizo texto, eu sou inteira. Muito inteira. Remendada, física e emocionalmente, mas de buracos impenetráveis. É ruim de esgarçarem o tecido desse meu ser cheio de valor e sabedoria! Lindo texto; muito didático. Obrigada por se lembrar de mim!! :*

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