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Ser príncipe não é bolinho



Idéias são bichos estranhos (tenho certeza de que são vaga-lumes feitos de correntes elétricas entre os neurônios). Um pensamento, uma ideia e zap! O texto desce cérebro abaixo direto para o teclado. Foi assim com esse texto. Pensei numa pessoa e nas histórias de princesas (sabem que pensamentos se embaralham) e me dei conta de que os príncipes quase nunca tem um passado, uma história de dor ou alegria para contar. As princesas, ao contrário, são envolvidas em sequestros, maus-tratos, rejeição, inveja, maledicência, tortura e assédio moral desde bebês, convivem com o lado mais grotesco da humanidade desde sempre. Sofrem, brigam, esperneiam, há pretendentes interesseiros e ardilosos, percebem as tramóias das madrastas ou dos parentes e ninguém dá crédito quando falam sobre isso. São humilhadas por primas / primos, irmãos ou irmãs, tentam asssassiná-las para que o caminho ao trono seja desimpedido, enfim, histórias de dar nó na garganta. Mas elas lutam e acreditam que podem sair dessa, sempre surge alguma alma gentil que as acolhe ou ajuda a vencer os desafios. Quando o príncipe aparece na história, tudo está quase resolvido ou se resolve imediatamente.

O príncipe é o desfecho da história, compreensível que faça a princesa feliz para sempre. Se observarmos de perto, é difícil alguém lembrar de um príncipe que tenha enfrentado tantos percalços em sua vida, que tenha tantos inimigos ao ponto de fugir e se esconder ou ser envenenado. Salvo o tal príncipe que foi transformado em sapo, a maioria vem do nada, algum reino distante, sem ex-namoradas, pretendentes malignas ou decepções causadas pela vida. Eles têm o coração limpo e pronto para amar, não carregam o peso da vida e suas escolhas, ao contrário das princesas, que penam duramente até o final feliz. Fácil um homem tão aberto e sem medo dar o apoio e o afeto que as calejadas princesas precisam. Difícil mesmo é existir um homem assim, nem só de atração e emoções borbulhantes são feitos os romances; nossos príncipes tem problemas familiares, rejeições de relacionamentos anteriores, inseguranças frente ao novo papel que definimos para eles em nossas vidas, medo, relações acabadas, nossa TPM, enfim, uma bagagem de vida que aumenta com o tempo. Se não é simples ser princesa, não é tão fácil assim ser príncipe, convenhamos.

Percebi, depois de todo o raciocínio exposto, que nos educam para esperar um homem perfeito e com todas as soluções, que nos aceite de jeito que somos (afinal, somos princesas), nos aguente e não fuja ao primeiro sinal de TPM homicida. Nunca ensinam que pessoas tem sua história, independente do sexo. Sofrimentos, lágrimas e dor são inerentes à condição humana. E que relações antigas e findadas deixam lembranças não só de dor, mas de alegria e que, quando esses príncipes relutantes caem de susto em nossas vidas, nós precisamos conviver com isso e não é fácil, eu sei, você sabe. Assim como eles terão inseguranças ao saber do nosso passado. Nossos príncipes não são páginas em branco esperando pela nossa caneta, não são pessoas com toda a paciência do mundo para entender nossas pequenas tragédias. Eles também querem compreensão e colo. Não são nossos salvadores, talvez eles precisem de salvação. E amor. Quando um príncipe encontra uma princesa, talvez a palavra chave, além do amor, é compreensão mútua. As mulheres lutam tanto por reconhecimento e espaço, mas ainda acreditam serem vítimas de homens maus e ferozes, quando, talvez, elas não estejam tão dispostas assim a reconhecer seus erros.

A vida não é uma história da Carochinha ou um conto dos Irmãos Grimm. É mais complexa e confusa do que um papel ou monitor pode suportar. E os príncipes não são esse modelo de perfeição. Eu assumo que adoro um imperfeito, com seus conflitos. Esses príncipes são mais profundos, mais complicados de se relacionar e, como eu, acabaram se envolvendo por anos com quem nunca os compreendeu. Quando encontram conosco, que podemos ter reciprocidade com seus pensamentos, se assustam. Mas são sensíveis e humanos, com um dom raro de saber quando erram e aceitar nossas limitações. Corações machucados, contam histórias e carregam alguma bagagem, tem experiências familiares complicadas, alguns dramas e muitas lágrimas escondidas. Mãe ou pai dominadores, dependências físicas e afetivas, separações, dores fazem parte de uma história que você, princesa, pode ajudar a contar. E a escrever, como eu faço.


publicado originalmente em www.papodemulher.blog.br

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