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O dia em que o diabo visitou o Rio Grande do Sul




Aquele domingo acabou só na folha do calendário e nas horas que se passaram. Dia 27 de janeiro de 2013 foi o dia em que o diabo visitou o Rio Grande do Sul e fez um acampamento especial em minha cidade, Santa Maria.  Só isso explica o inferno, purgatório e limbo existencial que enfrentamos ontem. Moro perto de um dos principais hospitais da cidade e o barulho de sirenes das ambulâncias foi durante todo o dia e mesmo hoje, que é segunda-feira, ainda são escutadas. A cena foi igual a um atentado ou uma guerra, as pessoas aglomeradas na praça aqui da frente de casa esperando notícias, famílias, amigos e curiosos esperando no Centro Desportivo Municipal, nosso popular Farrezão. Rostos estáticos, em choque, pessoas chorando, aflição, medo, angústia e dor. Como sou muito sensível à morte, perco pessoas desde meus seis anos de idade, claro que me afetei e ainda estou afetada. Deve ser porque não visitei minha amiguinha de infância Fabíola, meus pais não me deixaram pois ela estava com leucemia e foi para casa viver seus últimos dias. Leucemia era fatal em 1978. Ela tinha pouco mais de sete anos e até hoje lembro dela. Sempre imaginei que pudesse pensar que não gostava dela por não ter me despedido, não me deixaram vê-la. Quantos de nós aqui também teremos essa sensação por muito tempo, a de que não nos despedimos adequadamente desses jovens, alguns imberbes, outras praticamente meninas. Eles se foram e os vazios que deixaram nunca serão preenchidos por ninguém. Como o meu impedido adeus à minha amiguinha Fabíola.
A morte me choca mais não pela morte em si, morremos e renascemos todos os dias, mas pelos fatores antes dela. Uma mãe relatou que a filha saiu de casa dizendo que a odiava, brigaram naquela noite. Um pai tinha as duas filhas trabalhando na casa noturna Kiss e também se foram, um irmão voltou para dentro achando que a irmã ainda estava lá e morreu. A irmã havia conseguido sair. Teve gestos heróicos de anônimos que salvaram vidas e perderam a própria. Poderia descrever várias histórias aqui, mas essa tragédia em si já arrasa meu coração, imagina me colocar no lugar desses pais. Não tenho condições. Tenho idade para ter um filho de vinte anos, mas confesso que agradeço nunca ter engravidado. O que não percebemos na nossa vida é que ela é uma fração de segundo no universo. É que somos poeira cósmica, composta de Carbono, Hidrogênio, Oxigênio e Nitrogênio. Não percebemos que nossa vida tem que ter um significado e que a centelha divina que pulsa em nós deve ser razão suficiente para que sejamos menos mesquinhos e egoístas. Que o tão surrado discurso de abraçar quem amamos deve ser regra em nossa vida. Que amar deve ser regra em nossa vida. Nos amar mais, para começar.
No dia 27 de janeiro de 2013 o mundo acabou para vários e perdeu um tanto do brilho para quase todos. A cidade não sorri, em pleno domingo não havia crianças na pracinha, vivíamos um velório a céu aberto. Quando soube do acontecido, pensei em minha sobrinha, ainda bem que havia ficado em casa, pensei nas duas filhas de alguém especial, a mais velha ainda não chegou na idade de sair, mas havia outras meninas com idades próximas na Kiss. Pensei nele e na dor que ele deveria estar sentindo em imaginar que um dia será ele o pai aflito esperando sua menina voltar para casa, se pudesse, pegaria um pouco da sua dor para mim. Eu acredito que essa tragédia tem que servir para conscientizar os orgãos públicos de suas responsabilidades e os inconsequentes donos de casas noturnas, que deveriam pedir o acompanhamento dos bombeiros na execução do projeto arquitetônico. Nós também devemos nos arriscar menos, ter mais paciência com a nossa vida e a alheia, que devemos ser menos superficiais.
O diabo esteve pelo rio Grande do Sul porque houve outro incêndio, dessa vez perto da Arena do Grêmio, em Porto Alegre (nossa capital), em uns casebres. Não me digam que foi coincidência. Dois incêndios horríveis, dois acidentes incendiários que trouxeram o caos em um mesmo dia. Fogo, que queima e deixa um rastro de fumaça por onde se alastra. Que essa fumaça não vende nossos olhos. Precisamos dar mais valor ao dia de hoje, trabalhar menos, pensar menos em dinheiro, por mais que seja necessário, não deve ser o único objetivo da nossa vida. Curtir um domingo estirado em uma canga num parque, tomando meu chimarrão pode ser mais valioso do que ficar em noites insones bebendo todas as cervejas que eu puder. Estar perto dos poucos amigos leais é muito melhor do que estar em aglomerados incômodos, estragando meus lindos sapatinhos e sequer conseguindo conversar com minhas amigas. Vamos nos perfumar e arrumar para nossos familiares, chega de guardar roupa para sair, use um vestido bonito para um almoço em família. Seus pais vão adorar ver a filha bem e cheia de vida. Use sua melhor toalha de mesa, não guarde seus copos de cristal. Beije muito seu amor, não deixe ele falar por alguns momentos, o asfixie com sua boca. Vá para a academia, seu corpo é seu templo e você vai precisar que ele seja saudável por muitos anos.
O dia 27 de janeiro de 2013 nunca vai acabar, ao menos para nós. Mas que as lições trágicas desse dia regrem nossa vida sempre. Que se preocupar mais com sua segurança e a de quem você ama é importante; cuidar de sua saúde é importante, que ter finais de semana regrados aos seus discos preferido é importante, que trazer para perto seus amigos queridos é primordial. Que ter alguém para amar e para quem você irá voltar todos os dias, mesmo nos cinzentos é mais importante do que tudo. Que 2013 seja o ano da reflexão. Mesmo com um início infeliz, que façamos dessa tristeza toda um motivo para lutar e viver melhor.


texto originalmente publicado em www.papodemulher.blog.br

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