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Ninguém abriu a porta



Foi assim, um beijo. Mas ninguém abriu a porta. Não pedimos licença para entrar na vida um do outro, era para ser um beijo aqui, outro ali e mais nada. Era para ser um até logo, nos vemos em algum sábado e continuaríamos a ser amigos, como se nunca houvesse acontecido. Mas aconteceu e inúmeros outros vieram depois. Vieram os amassos (que amassos, chocamos o pessoal do bar), veio essa química, física e biologia maluca de algum lugar que não sabemos dizer. O engraçado é que nunca olhei você com outros olhos, nunca pensei em ficar com você. Claro, gato, seu charme é indiscutível, mas sei lá. Estava tão envolvida com esse meu coração eternamente mal resolvido (você também, confesse) que nunca parei para observar como é interessante, debochado e divertido. Não sabia que gosta do Christopher Nolan como eu, que curte as mesmas bandas que eu e que é tão fanático pelo nosso time como eu. O cara frágil e cheio de dúvidas que é. Sabe, preciso confessar, quando releio meus textos sobre o Estranho, o Imperfeito, tenho a sensação de que escrevi para você. Talvez Jung explique isso, talvez seja apenas coincidência, o que posso afirmar é que nos reconhecemos. Juro, quando você afirmou gostar de Marillion e Arcade Fire quase tive uma síncope.

Entramos invadindo um ao outro. Esses atos não programados foram sucedendo, uma mensagem aqui, uma conversa ali, vários e calientes momentos, beijos, muitos beijos, que nossas bocas não descolam. Agora sorrio sempre, feito idiota e é por você. Sonho quase todas as noites com nossos momentos, relembro nossas bobagens. Adoro aquela lembrança de você me jogando contra a parede e assolando minha boca com sua fome, suas mãos dentro da minha calça, sua vida me fazendo feliz. Percebeu? Ainda bem que havia muita gente e estava escuro, mas, seguramente, povoamos o imaginário de alguém. Você bebe e se declara, no dia seguinte finge que esqueceu, em algum momento deixa claro lembrar de quase tudo e assim vamos levando, vivendo, nos devorando e nos descobrindo. Somos pequenos baus do tesouro um para o outro, lacrados, chaveados e perdidos em algum lugar do nosso medo, com suas histórias, suas marcas e rachaduras. Mas revelamos o brilho do nosso tesouro um para o outro, na verdade, estamos sorrateiramente entrando um na vida do outro. E está sendo tão bom, meu gato, nem sabia que poderia ser assim.

Impus uma disciplina rígida para meus atos, caso não saiba sou absolutamente neurótica. Tento não stalkear e formular inúmeras teorias da conspiração. Sabe, essas atitudes sempre foram minha rota de fuga, assim, não passava segurança para os que vieram antes, consequentemente, não dava em nada e eu continuava minha vidinha do mesmo jeito. Sem escolhas, sem riscos. Não é apenas por sua causa que mudei, óbvio, já estava em franca mutação. Mas sua chegada de pára-quedas acelerou o processo.  Tento não imaginar situações, até porque, o que sinto por você e como somos um com o outro é indiscutível. Somos bons juntos, somos ridículos e somos sérios e somos bobos e somos apaixonados e somos felizes e somos nós. Acredito que o fato de você já ter me conhecido bêbada, rouca e louca ajudou bastante, porque o conheci assim, também. Sermos amigos um bom tempo antes de nos envolver ajudou.

E eu, que não queria nada com você, que não esperava nada de você, agora espero por você. Sua voz ao telefone, suas mensagens no bate-papo, nossas conversas e nossos momentos. É leve, doce como um bolo de chocolate recheado e coberto com ganache, é intangível como um pensamento, aliás, você está em meus pensamentos, seu assaltante de mentes. Estou louca para fugir de você como fiz com os outros, freio de mão puxado e em marcha à ré. Mas sua boca me chama mesmo fechada, suas tentativas fracas de me manter afastada ao mesmo tempo em que prende meu corpo miúdo em sua prisão de afeto. Nossas fugas se perdem em meio a vontade que cresce de estarmos juntos. Somos piratas malucos e desregrados que fazem de estar um com o outro a lei. Claro que esses desatinos não são cotidianos, mas nos curtimos tanto, mas tanto que tenho um medo enorme. De mim, de você, do que será.

Quando penso em meu medo, quero fugir imediatamente, quero ir para longe de você. Você não deixa e é isso que mais eu gosto: você não me deixa fugir (mesmo você sendo um fujão). Assume suas fragilidades e eu adoro cada confissão sua, cada pequeno ciuminho, cada cuidado. Adoro você por pedaços e por inteiros, adoro suas palavras, suas escolhas, sua ginga, seus ombros, suas coxas, seus olhos e suas dores. Adoro quando faz me emocionar, adoro quando fala, adoro quando me abraça. Me sinto tão sua, você tão meu, que uma rede, uma tevê e uma geladeira seriam perfeitas para nossos planos. Que, por enquanto, ainda não existem. Ou existem, mas o receio de estragar essa relação ainda tão frágil os deixe para depois. Você é o meu Estranho Imperfeito, my lord, entre tantas inseguranças, essa é a minha certeza. Você é a minha certeza.

Comentários

  1. eu simplesmente adorei esse texto, visualizei as cenas!

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    1. Tudo real e deliciosamente bom. Surpreendentemente bom!

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