Esse meu texto vem de uma inquietação não só minha: a super exploração da mulher objeto-gostosona-bombada-siliconada-e-quase-pelada como sinônimo de "poderosa". E da cafonice, breguice e superficialidade. E dos homens que se acreditam plenos e absolutos por estar forrando os bolsos com canções rasteiras, rasas e fúteis. O mundo diz que não é machista, se disfarça de moderno e liberal, faz discursos de igualdade feminina, divisão de tarefas e muitos outros assuntos, mas glorifica a mulher que não faz escolhas emocionais e responsáveis, que age como um pedaço de carne pendurado em um açougue, que usa o sexo como arma e vê as outras mulheres como rivais e "invejosas". Seus parceiros são pessoas de gosto e canções duvidosas, mas cheios de pretensão. Sim, elas podem ser um produto e cantoras de funk; sim, os rappers ou os funqueiros comerciais nos expõem como gado em suas letras perniciosas ou vulgares. Se são produtos é por haver quem rode essas canções em festas, pague para assistir seus shows e que encontre diversão e sentido em ver uma mulher como um corpo (muitas vezes de beleza questionável) e não como uma pessoa. O preocupante é que a funqueira também se coloca como objeto e canta "Prepara que o show das poderosas vai começar". Cadê poder nisso? Onde está o poder de quem rebola uma bunda em um palco, se degrada em letras e acha lindo ser uma imagem, uma casca de digestão rápida?
Conheço vários exemplos de mulheres poderosas, guerreiras e sensuais que não são só lindas, mais do que corpos, são mentes. Mulheres inteiras, que rebatem todos os dias as dificuldades da vida, que lidam com doenças, com problemas, dificuldades de toda a ordem e se equilibram no salto, no ônibus e na vida. Que carregam um chinelinho no carro para dirigir melhor, que se preocupam com as notas dos filhos na escola, com a doença dos pais, com as agruras da vida amorosa, que bebem chopp com as amigas, que vão ao cinema, que abastecem a geladeira e, ainda assim, estão deitadas com seu pijama de malha na cama e conversam sobre o dia com seus maridos ou namorados ou ao telefone com alguma amiga. Poderosa é a mulher que compra um par de sapatos e um presentinho para sua mãe, que baba por um bebê e chora silenciosamente por não poder resolver a mazelas do mundo. Poderosa é a mulher que não transa porque usa o sexo como arma, que se entrega à vida com emoção, compra vários cosméticos anti-rugas, que pode ir à academia, mas sabe que não é só seu corpo que tem valor. Poderosa é a mulher que possui um cérebro e sabe fazer dele o seu charme, seu diferencial.
O poder da mulher não está no quanto seus seios são turbinados, sua bunda é gigante ou suas coxas adquirem a forma de obeliscos. Essa funkalização serve apenas aos interesses vendáveis de uma elite tosca, que antigamente se arvorava leituras e gostos sofisticados, mas agora desce baixo ao nível do chão em seus saltos Jimmi Choo, Loubotin e vestidos D&G, Dior, B.O.B ou afins, abana suas bolsas Louis Vuitton sem aprimoramento, sem classe (que não está no dinheiro, vem da educação e do respeito, coisa que essa gente ainda não tem, assim como os "funkalizados"). Elas e eles descem até ao chão, mas não cumprimentam seus porteiros ou demais empregados, desvalorizam os trabalhadores que os auxiliam pagando salários pífios enquanto esbanjam futilidade e brilhos Brasil e mundo afora. Caiu meu queixo quando o rapper, até então por mim respeitado, Emicida disponibilizou sua nova canção "trepadeira". Pior disso é que somos nós mulheres que nos colocamos nessa situação, direta ou indiretamente, prestigiando essa categoria artística que envergonha o velho e suingado funk de Jorge Ben Jor.
Quando à valorização do corpo e da exagerada sexualidade for explorada, em detrimento das várias e inúmeras qualidades que uma mulher tem, a sensibilidade em um homem for denegrida e a cara de mau com expressão de-bebê-babando-o babador-vendo-a-mamadeira olhando uma mulher valorizada, o mundo em que acredito estará um tanto fora do eixo. Vulgaridade, banalidade da violência, inclusive da violência contra a mulher, mesmo que seja verbal, do assédio declarado em letras e danças, etecétera, só diminuem a eficácia de leis como a lei Maria da Penha. O respeito ao nosso direito de escolha e decisão, a valorização do trabalho feminino, inclusive em casa, a participação efetiva dos homens nas atividades da casa e várias outras demandas que há anos são queixas recorrentes das mulheres continuarão sendo deixadas de lado porque a sociedade e você repercutem, compram e proliferam isso. Se, antigamente, Amélia era mulher de verdade, agora os tempos são outros. Amélia se formou, trabalha e só aos 35 anos decidiu dar uma chance ao namorado, casar, não sabe se terá filhos porque ainda quer estudar muito e viajar romanticamente ao Egito, para ver de perto as Pirâmides. Amélia deixa as louças para a máquina e o fogão para o marido. Beijo, mulher-objeto, mulher-coisa. Não pertenço ao seu mundo, nem as mulheres que conheço.
publicado originalmente em http://aenergy.com.br/coluna_completa.php?idColuna=76
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