Meu vício inquietante, ultimamente, tem sido essa série perturbadora sobre os meandros e labirintos da mente humana, seus medos, suas perversidades, motivações e falhas. Joseph Cambpell, em uma vida de estudos e pesquisas, descreve que os mitos são a maneira encontrada pela humanidade de lidar com seus medos e inseguranças mais profundas, assim como com seu lado sombrio e que não compreende. Na atualidade, em que a ciência racionalizou a vida e o mundo, em que as ditaduras da vida são cruéis, as séries e os seriados lidam com nosso emocional como os mitos o faziam antigamente. Nos desvendamos em cada episódio, nossa nudez subjetiva se faz por ali, mesmo que não o admitamos. As situações apresentadas podem ser hiperdimensionadas, mas são reais em sua incisiva apresentação da vida disfarçada de ficção. Somos nós em nossa sordidez e medo, em nossos traumas e experiências, representados por personagens ambíguos e humanos que nos tocam de maneiras inimagináveis. As motivações, sua busca por vingança, retratação e raiva contida de Emily Thorne, são uma busca por amor e resgate de quem aquela menininha foi, um dia. E da vida que ela perdeu.
Emily sabe que nunca mais será a mesma, que sua vida foi roubada e que o caminho que escolheu não tem volta. Paradoxalmente, conserva a capacidade de afeto e entrega que possuía, embora as contenha, porque suas emoções são arduamente controladas. Mas nem sempre mantém seu coração afastado do que faz e é por isso que ela é tão fascinante, uma mulher que é complexa, forte e infinitamente frágil em sua busca por vingança. O que é, praticamente, um resgate do passado e de sua história. Ela aquece e gela rapidamente, sua casa é seu mundo, o único lugar em que se permite ser totalmente ela, a não ser quando está com seu amigo e cúmplice Nolan. Ela idealizava seus pais e a vida que tinha, a imagem de sua família é o que dá sentido à sua vida. A verdade por detrás disso, é que sua mãe não era quem ela acreditava e que, talvez, a raiz do mal em sua vida possa ser a mulher que lhe deu a vida. A mesma mulher que, Emily lembrou, tentou matá-la. Vida dura e lembranças sofridas.
Cada um tem sua história, suas lembranças e enredos. Cada um chora ou sorri ao lembrar, mas ignora o fato de que as lembranças mudam conforme nossa perspectiva e experiência. Abandonar as lembranças é admitir que não nos servem mais, que a alegria ou tristeza nelas contidas para sempre se foi. Essa é, ao meu ver, uma das melhores demonstrações que a série faz. "Alguns dizem que nossas vidas são definidas pela soma das nossas escolhas. Mas não são nossas escolhas que distinguem quem somos, é o nosso compromisso com elas." As escolhas de Emily são friamente definidas, mas seu emocional escapa ao seu controle, assim como aspectos do destino. Não podemos controlar o mundo todo. Ela está aprendendo que nem sempre aquilo em que se agarrou para encontrar um motivo para viver é o que pensava ser. Nem tudo é mal ou bom apenas. O imprevisível acontece, o futuro de cada um muda conforme as atitudes suas ou dos outros.
Assumo me identificar enormemente com Emily Thorne, não pela vingança, mas pelos conflitos emocionais e as reflexões que faz, sua percepção de mundo. Apesar da aparente frieza, é uma pessoa calorosa e humana, contida pelo objetivo a que se propôs. Mesmo determinada, ela percebe que há variações da realidade para as quais pode não estar totalmente preparada e que enxergamos apenas o que nos convém. Quando os véus que nos cegam caem, toda a verdade, com suas dolorosas implicações, nos assombra. Um mergulho na alma humana e nos sentimentos e emoções mais íntimas que podemos ter. Boa diversão e excelente análise sobre a alma humana e suas verdadeiras e inquietantes escolhas.
Mais sobre Joseph Cabpbell http://www.salves.com.br/jb-campbell.htm
Comentários
Postar um comentário
Obrigada.