Hoje seria o dia em que a coluna Natureza Feminina teria um texto sobre a menstruação, o feminino, e outros tantos assuntos que me dispus a escrever, com minha peculiar maneira de ver o mundo. Mas hoje, quarto dia após o Domingo Sangrento, 27 de janeiro de 2013, não pensei em outro assunto que não a perda de alguém que se ama, pois nosso útero é a primeira casa, o primeiro abrigo e o primeiro alento que um humano (costumo chamar de primata bípede, pois é o que somos) conhece nessa vida. Dali, um futuro adulto sairá do aconchego e proteção da mãe para um mundo incerto e duro. Nunca mais haverá proteção segura contra o calor e o frio, nunca mais os pais de uma criança, adolescente ou mesmo adulto terão tranquilidade até saber que seu eterno bebê estará em casa. Não sou mãe, se acompanham meus textos devem saber, mas meu coração está partido e meu útero sangrando pelos vários representantes dessa centelha divina chamada Vida que foram levados embora pelo fogo e fumaça do descaso.
O coração é o motor que leva sangue para todo o corpo e o útero dá a vida e rege o desejo de viver. Imagino, então, que quando o desejo que seus filhos vivam, que sejam plenos é tolhido, o útero chore. E seu choro é um sangue invisível, uma dor na alma feminina. Como já ouvi, uma ferida que não fecha, sangra sempre. Uma mãe guerreira luta pela memória de seu filho, procura não se entregar à dor e fazer dessa dor uma atitude positiva. Mas seu útero sangrará para sempre. Não condeno, lógico, as mães que se fecham em sua dor, mas por ter um útero que deu e dá a vida e a deseja, acredito que abrir-se a esse mundo, chorar suas lágrimas e ir em frente é uma saída. Lucinha Araújo fez isso com seu Cazuza e Diza Gonzaga, do Vida Urgente, um projeto para prevenir acidentes de trânsito aqui do RS, fez com seu Thiago. Fazer do luto uma causa pode ser uma saída e a maneira de manter a memória dos filhos falecidos. Claro que não sou mãe para saber, mas tenho sobrinhos que ajudei a criar a os considero como filhos, seria uma dor imensa, uma laceração na alma.
O útero tem a capacidade da vida, que mesmo a menopausa não pode esconder. É um pequeno cosmo, onde um ciclo rege os humores e as sensações de uma mulher, onde uma vida é gerada e acolhida e de onde o amor nunca se esgota. É uma gruta secreta, de onde sai nosso sangue e outro ser, que jamais deixará de sentir um laço com seu antigo habitante. Mães são eternas vigilantes, mesmo severas, mesmo mais frias, mesmo mais críticas, sua cria é a fonte de sua preocupação. Não há pais que durmam tranqüilos com seus filhos expostos a perigos reais e imaginários. Por isso, hoje, que vários pais e mães sentem todos os dias a ausência ingrata de seus filhos, o meu útero, o seu e o de todas as mulheres que amam eternos bebês, sangra invisível a perda de pessoas que mal começaram a vida. Essas perdas são irreparáveis, mas o que faremos com ela é que pode fazer a diferença nesse mundo.
Justiça, sempre. Enquanto meu povo peleador tiver indignação e coragem, essas vidas ceifadas não serão esquecidas. Lutem por justiça e mudanças, para que nossos úteros não sangrem mais essas lágrimas.
publicado originalmente em www.papodemulher.blog.br
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