Ela desligou seu coração. Tantas vezes tentou ser ela, se envolver, sentir. E nada. Desistiu do envolvimento, agora era pura carne. Vestiu seu lado predadora e foi assim que decidiu viver, daquele dia em diante. Ela se sente em suspenso, num limbo, mera observadora de sua vida. Nada sente, ninguém abala, remexe ou modifica as batidas de seu coração. Nenhuma ligação ou mensagem a esperar, nenhum toque no interfone, campainha ou o que for. Seu cérebro ansioso CID 10 - F41.1 se transformava em um redemoinho de pensamentos quando seu coração descompassava. É doentio e masoquista ter afeto por alguém, a deixava com pensamentos recorrentes, ideias fixas, dor. Pensando bem, nem relacionamento meramente sexual. Seu mundo fechado e isolado dos outros era confortável. Doente, mas confortável em seu silêncio repleto de barulho, em suas sombras.
Filmes e seriados eram melhores companhias do que a presença de um homem. Preferia assim desde sempre, apenas mais jovem não tinha tanta segurança, o que é confuso ser segura e estar num dos períodos mais doentes e depressivos de sua vida. Estava tentando reprogramar seus pensamentos para não sofrer tanto. Deu-se conta de que a ansiedade a consumia, de que seu padrão de pensamentos não era saudável. De que precisava, antes de ter alguém, ter a si por completo, estar inteira. Sentia-se aos pedaços, não reconhecia essa mulher frágil e desmotivada. Onde estava aquela pessoa cheia de vida, de sonhos e projetos? Onde estava aquela mulher divertida e com vontade de viver?
Gostava de escrever, gostaria de publicar um livro solo com seus textos e poesias, mas cadê a vontade? Parecia viver entre paredões que a sufocavam, a anulavam. Percebia uma falta de propósito em sua vida, em suas decisões. Envolvimentos, acreditava, a afastariam ainda mais da busca pelo equilíbrio. Equilíbrio. Equilíbrio... Equilíbrio, equilibrando, equilibrante, equilibrada. Precisava de um, mesmo que tênue. Sentir que havia um caminho a seguir, algo que a fizesse viver com vontade, com sede. Era faminta, em outros tempos. Talvez o relacionamento abusivo que teve anos atrás misturado com seus problemas familiares tenha sido o estopim. Na verdade, foram os dois juntos que detonaram sua vida. Tinha que tentar se refazer.
Rememorando, percebeu que seu ex havia roubado muito de sua energia, aquele vampiro mimado. Sua família a consumiu outro tanto. Hoje, quem era ela? Nada. Percebia-se despersonalizada, sei lá. Envolver-se com alguém poderia levar algum pedaço restante dela, algum pilar de sua sanidade. Tinha medo de enlouquecer, de fazer bobagem. Sabia que se cometesse um ato extremo magoaria pessoas queridas, mas poderia ser a única maneira. Lia e ouvia que o amor salvava, mas esse fulano amor é um desconhecido. As raízes de seu estado eram o desamparo e o desamor. Quanto a isso, ela era impotente para mudar.
Tinha que aprumar, reerguer-se. Devia isso a mulher que ela foi e a mulher que desejava ser. Devia isso ao amor-próprio, a um passado cheio de sonhos, a mulher que acreditava ser mágico viver, que via poesias em momentos bonitos da vida, a mulher que via magia em um beijo profundo e intenso. Talvez, a retomada da escrita, quem sabe? Reler seus textos e poesias antigos, relembrar de quem foi, das palavras boas que havia dito às amizades, às atitudes boas que teve na vida. Recordar de como podia ser criativa e loquaz, de sua personalidade ardente e faminta por viver. Equilíbrio, talvez seja esse o relacionamento que precisava ter. E com ela mesma.
Comentários
Postar um comentário
Obrigada.