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Não é o buraco, mas quase



Você, uma pessoa de riso fácil e cheia de vida, de uma hora para a outra se vê quase sem energia. Azedume passa a ser o seu nome do meio e você não se diverte como antes com o sarcasmo habitual que destilava. Sente uma inadequação entre as pessoas que sempre fizeram parte da sua vida. Briga por bobagens com quem mora ou convive estreitamente com você. Tem dias em que gosta de ficar sozinha, tem dias em que sufoca, sente um desamparo, uma solidão. Faltam abraços, falta apoio, falta amor. As pessoas dizem que você tem isso, o que não sabem que esse sentimento é manifestado de uma maneira distante, isolada. E você quer colo, quer cuidado, quer, por algum momento breve, sentir que alguém decida por você. Saturação, excesso de decisões, de responsabilidades, de dilemas, transformam seu dia a dia em uma sucessão alternada de ansiedade, fugas e insônia. Você sente que seu corpo se deteriora, mas o que está fenecendo é sua estabilidade emocional, sua capacidade de equilibrar-se nessa corda bamba que é a vida.

Muito fácil para a maioria se entupir de medicação e fingir que o que corrói seu peito não existe, as sombras que lhe consomem não estão ali e que os dilemas da vida são menores. Melhor fingir que uma trepada, uma bebida ou um entorpecente legal ou ilegal ajudam. São todos, sem exceção, muletas. Mas você não pode fugir infinitamente de você. Impossível ignorar para sempre isso que está em seu peito. Mesmo para mim, que sempre enfrentei meu lado mais sombrio, sempre pensei e pensei sobre minhas motivações, medos e traumas, é difícil não vergar, às vezes preciso fazer mais do que um esforço, uma reparação em meus danos. Quem foge de si terá um momento infinitas vezes pior, no futuro. Olhe para mim, mesmo não fugindo, me sinto aos pedaços, deteriorada, solitária. Sabe aquelas formações rochosas que assemelham-se a pilares, isoladas? Sinto como se estivesse no alto de alguma delas. Por todos os lados em que olho, o horizonte é sem fim e sem solução.

Algumas pessoas podem deprimir por inabilidade em lidar com a própria vida, acredito que ocorre em famílias onde os filhos tem todas as facilidades, não são estimulados a vencer desafios. Há outras famílias que despejam o veneno familiar em um membro, o transformam em "ovelha negra" para assim justificar seu descaso e desviar a atenção de sua miséria intima. Esses acabam por ser os que suportam todo o peso familiar, afinal, é um inútil e sem habilidades, merece a energia negativa que lhe é dirigida. Esse é o verbo, suportar. Suportamos, suportamos e suportamos até o momento em que é impossível e esse processo dura anos. Há quem sempre diminua o peso do sofrimento pessoal, dizendo que tem tudo, que sua vida é boa, que quer chamar a atenção. Até o dia em que uma caixa de medicação é esvaziada em poucos momentos e a pessoa deixa a vida se ir, com sorte, alguém o resgata a tempo.

A dor de sentir e não agir é imensa. A inação não é consciente, ela vem forte e paralisa, é um grito de socorro inconsciente sobre o que incomoda, mostra que algo está muito errado, tira a vontade de viver, conviver, a vaidade, a emoção. Encarar isso nunca é apenas um esforço solitário, infelizmente, algumas pessoas não tem outra opção a não ser essa, agir sozinhas. Amigos somem, a família minimiza seu sofrimento, afinal, fingir que alguém não está mal é como fingir que você não o ficará algum dia. Evitar a dor alheia é um gesto egoísta e que apenas piora o estado emocional do outro. Solidão, infelizmente, é forçada justamente por aqueles que dizem nos amar. "Ah, não pensei que estivesse tão mal", "só por isso?", "tem tudo, reclama de barriga cheia" e outras são as frases edificantes que pessoas, no alto de sua insensibilidade dizem, é quase como um fechar de olhos para o caos que está a sua volta. Quando as paredes desabam, o silêncio é o que fica. Infelizmente, meu amigo, estamos sempre sozinhos nesse caminho. Quem vai além das aparências está só.

A vida é um caminho tortuoso, difícil. Com apoio e afeto transforma-se em um andar mais suave, há colo e compreensão. Quando isso falta (e falta seguidamente), tentamos e tentamos, mas o caminho é íngreme demais para seguir sozinho. Imagine uma ladeira em um deserto. Assim é o caminho de quem tenta, tenta não sucumbir. Um esforço desumano em acordar os todos dias e não ficar na cama, em acreditar que há algo de bom por vir. Encontrar motivação sem apoio e sem amparo. É, amigo, você está só e as perspectivas para que isso mude são desanimadoras. Enfim, quando falta tudo e desistir ainda não é uma opção, você segue tentando e tentando, quando tudo lhe puxa para baixo, quer conseguir olhar para cima. É a única maneira, amigo, de persistir no caminho.


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