Há, em nossa vida, algumas encruzilhadas capciosas e cruéis, enigmas que a mente custa a entender. Situações onde percebemos que não somos as pessoas e mulheres pode-tudo, que nem sempre há um roteiro certinho, são situações desabilitadoras das nossas defesas. Estou tentando explicar é que a vida estapeia e mostra que de super nada possuímos, nem de maravilhas. Somos apenas mulheres cansadas, limitadas e surpreendidas pelos tropeços, erros e alguns acertos escancarados em nosso caminho. Mulheres que sentem o peso das responsabilidades, das escolhas, das pessoas, da realidade, que derruba a todo o momento aquele mito de que somos poderosas, de que nossa capacidade é infinita e de que estamos sempre sorrindo e enfrentando estoicamente as adversidades que nos são apresentadas. É cruel esse senso comum de que a mulher é mais preparada para as vicissitudes devido à maternidade, aos anos de preparação cultural para esperar os homens voltar da guerra e da caça. Uma grande mentira e a mais terrível por estabelecer um padrão de comportamento que estamos longe de alcançar. Antes de sexo, somos humanas e permeadas com imperfeições e fraquezas.
Vivemos no limiar entre a ordem e o caos, entre fazer tudo certo e jogar aos ares. Somos limitadas como qualquer ser humano, como gente que está aí, caindo e levantando, com arranhões e algum pé torcido por causa do salto alto. Borramos a maquiagem, nos perdemos, algumas vezes reencontramos, noutras, achamos outro caminho. Certas ou erradas, estamos tentando. Admiro as pessoas que conseguem dar conta de tudo sem ajuda ou apoio e com serenidade. Não sou uma delas. A vida passa umas rasteiras duras, quebra o equilíbrio tênue que tentamos manter a duro custo. Cansar sem ter o direito a descansar é o pior de tudo. Férias reais tem apenas a pessoa que vive despreocupada. Gente com o cérebro a mil jamais descansa. Viajar, para mim, significa duas noites dormindo mal e pensando nas roupas que levarei, em como carregar ainda menos bagagem. Juro, se tivesse excelentes condições financeiras, viajaria apenas com uma muda de roupa e um calçado, compraria o que precisasse em meu destino. Relaxar? Esse verbo não existe, a não ser no sentido pejorativo de uma casa bagunçada, de uma vida bagunçada e de ideias bagunçadas.
Se vivo? Sobrevivo, sobressalto, solavanco. Fugir disso é como tentar ser adolescente despreocupado o resto da vida, em festa e de ressaca. Dormir e acordar com a certeza de que as decisões difíceis e as atividades difíceis são tarefas dos pais, viver sem responsabilidades sérias e com despreocupação, passa longe da vida adulta. Adultescer é sentir dor, é ter responsabilidades e fazer escolhas boas ou más e arcar com suas consequências. É perder o controle de si e da situação em muitas circunstâncias. Nos desesperamos por causa desse senso comum de que somos mais fortes. Falácia. Nos esforçamos tanto, mas tanto para dar conta de tudo, que entramos em uma roda viva maluca de atividades começadas e não terminadas ou mal arrematadas, cobranças absurdas e a pior das cobranças: a própria. Me comparo o tempo todo com o ideal de dona de casa que é minha mãe e desespero por não ser nem a metade do que ela foi. Nem boa organizadora, nem boa cozinheira, nem boa em nada. Tenho me contentado em ser mediana e não excelente, buscar a excelência exigida pela sociedade me desgastou tanto que não valeu a pena. Há um momento na vida em que nem cuidar direito de nós é possível. Mulheres são múltiplas por que despejam em nós esse conceito, a verdade é que abraçamos o mundo porque assim nos fizeram acreditar ser o certo. Se em tempos idos eramos queimadas na fogueira, agora somos incineradas na autoestima.
Casa limpa e organizada, despreocupação, ser impecável, estar disposta, acordar às seis da manhã, frequentar academia, trabalhar, cozinhar, cuidar da casa e tudo o mais só é perfeito ou se você mora sozinha e se preocupa apenas consigo, se mora com seus pais e tem tudo pronto, se tem ajudantes ótimos (raridade) ou se é casada e tem sogra, mãe e faxineira nota mil, acompanhadas de um ótimo e colaborativo marido e filhos quietinhos. A imensa maioria das mulheres, algumas vezes, se vêem aos tombos equilibrando a vida, a família, filhos, casa, trabalho e tudo o mais. Manter todas as atividades no mesmo padrão ocorre apenas quando não damos conta de nada. Ou somos melhores mães, melhores donas de casa ou melhores profissionais. Melhor em tudo, como diria padre Quevedo, non ecsiste. Fico fula quando leio ou escuto que fulana é batalhadora por ter trabalhado fora. Porra!! Somos batalhadoras por carregar nas costas esse conceito burro de super mulher, mulher maravilha. Somos apenas mulheres. Desde sempre, as piores responsabilidades foram despejadas em nós e pagamos alto preço por isso.
Talvez essa "força" que dizem ser nossa venha do fato de que somos liberadas para sentir desde crianças, ao contrário dos homens. Mas é relativa, o stress que advém disso é enorme. Desabamos sim, me pergunto se valeu a pena o preço que minha mãe pagou por ter sido tão boa dona de casa, esposa e mãe (como mãe ela perdia o controle muitas vezes, hehehe). Nunca teve retorno positivo do marido ou dos filhos, que é quem realmente importa. Transformava a insatisfação em neurose e, convenhamos, muitas mulheres fazem assim até hoje. Acredito que somos um tanto machistas e não sabemos delegar tarefas simples em nossa casa ou família exatamente devido ao senso comum da mulher poder dar conta de tudo. Competimos sem precisar e deixamos de lado a real luta: a de manter a cabeça no lugar e relaxar.
Mulheres e pessoas reais: eis o que somos. Super ou maravilhosas, não. Humanas, imperfeitas, cansadas. O tempo não é bom para nós, afinal. Despeja em nossas costas o que não pedimos ou necessitamos. Dia desses, assistindo um programa onde a babá conhece famílias e sugere mudanças, a frase de uma mãe foi emblemática sobre o assunto: pensamos que casaremos, os filhos virão e tudo dará certo, mas não é assim que funciona. Ouvi a frase e prestei atenção na expressão cansada e até derrotada daquela mãe e pensei "é isso!". A sociedade diz a nós que seremos felizes trabalhando, ganhando dinheiro, casando, tendo filhos, uma casa, um carro e viajando em férias uma vez ao ano e tudo isso desmorona frente à realidade. Os problemas imprevistos surgem e somam aos previstos e tudo parece sair do controle. E, ainda por cima, precisamos ser gostosas, inteligentes (mas não demonstrar muito) cuidar muito bem da casa e de todos. Porra (de novo)!! Quero ser egoísta, quero uma vez apenas pensar em mim somente. Não quero ser super e nem maravilha. Apenas mulher, limitada, humana e imperfeita. Mas real.
publicado originalmente em http://www.aenergy.com.br/colunas.php?idColuna=5
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