Pular para o conteúdo principal

Náufraga



Olhou para suas caixas de remédios, pensou que a morte seria doce, amenizaria aquela dor que sentia. Quantos seriam necessários para matá-la rapidamente? Todos os comprimidos das caixas ou apenas alguns? Sofreria, sentiria algo revirando suas tripas? Sangraria? Não queria morrer sangrando, por isso nunca havia se esfaqueado ou cortado seus pulsos e tinha a dor dos cortes que a apavorava. Havia pensado em veneno, mas seria difícil que alguém vendesse belladona na quantidade necessária para a morte sem fazer perguntas. E seus cachorrinhos, como faria? Quem ficaria com eles?

Perguntas demais, ação de menos. Precisava ser rápida, em algum momento alguém da casa questionaria porque havia se trancado no quarto a tarde toda e a noite toda. Saíra apenas para usar o banheiro, não queria se esvair em merda e mijo na hora da morte. Pensara em tomar banho e perfumar-se, mas quem ligaria para ela? Se viva não fazia diferença, aquela solidão a consumia, morta é que ninguém prestaria atenção mesmo. Tanto faz, como sempre foi, ela nada era, naufragava pela vida e isso seria impossível de mudar. Ela não fazia diferença na vida de ninguém.

Precisava arrumar um lar para os cães, sua sobrinha poderia ficar com um e os outros dois é que seriam o problema. Ninguém os queria, assim como a ela. Vivera como nada, morreria como nada. Volta e meia observava as pessoas caminhando pelas ruas e se perguntava qual o motivo delas estarem ali, porque viviam? A vida é algo tão estúpido, tão desprovido de propósito. Nunca havia tido a coragem necessária para o ato final, mas hoje sim, hoje seria o dia. Planejava como consumir os medicamentos, não podia destrancar a porta do quarto senão seria socorrida e seu objetivo não seria atingido. Em algum momento os cachorrinhos fariam alarido, sua ausência seria sentida, mas até lá estaria acabado.

As caixas estavam ali, aguardando. Uma garrafa com um litro de água gelada ajudaria seu intento. Pensou em ligar a tevê, ms aquilo a deprimia ainda mais, imaginava que pessoas mortas deprimidas ou em extremo sofrimento se transformavam em almas penadas e estava longe de querer assombrar quem quer que fosse. Queria apenas morrer, apenas dar um fim em tudo. Acabar com a dor, com o sofrimento. O derradeiro acontecimento que ocasionou sua decisão foi mais um entre outros que a encorajavam para o ato final. Fim. Finalidade: morrer.

Despejou os comprimidos em cima da cama, resolveu despejar todos, Os engolia entre um gole e outro de água, havia lembrado de deixar água e ração para os cachorrinhos. Sobrara comida na geladeira, seu pai não precisaria se preocupar com o almoço do outro dia. Sua irmã havia voltado de viagem, poderia cozinhar para ele no domingo. Mais um punhado de comprimidos, mais um gole de água. 

Seu pai sofreria? Sua família? Provavelmente sua morte seria um alívio para todos, fingiriam algum sentimento para os outros, mas no fundo seria um problema a menos. Hum, estava sentindo um torpor, uma tontura. Suas roupas e sapatos, com quem ficariam? Não serviam em ninguém, era muito miúda e todas as mulheres que conhecia eram maiores do que ela. Ai, meu estômago, pensou enquanto lembrava do pudim de leite que fazia e todos gostavam. Pelo menos uma serventia tinha na vida. Ai, não consigo ficar em pé, deitada é melhor, enquanto sentia flutuar em algo indefinível, enquanto seus pensamentos sumiam, enquanto morria.

Comentários

  1. Pesado.

    Voce é a malvada no blogger do lamitor né?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Decidi pela vida e agradeço, apesar dos problemas. Viver é um mistério bom. E graças que larguei a lamotrigina, aquele troço me fez mal.

      Excluir

Postar um comentário

Obrigada.

Postagens mais visitadas deste blog

Para você

Há muitas mulheres em mim, todas intensas, profundas e fora dos padrões. Minha multiplicidade me fez e faz ser uma rebelde, uma inconformada, uma questionadora. E, no momento em que escrevo essas sinceras linhas, me dei conta de que todas essas mulheres amam você, my burning love. Você que é por quem eu sempre procurei e não sabia, que é tudo que quero e não sabia. Você, só você teve as mais apaixonadas e verdadeiras declarações de amor, você que é o imperfeito mais certo para mim. Você, que teve meu tempo, meu medo, meu corpo, minha mente, minha alma. Você faz todas as músicas e poesias se encaixarem e, enfim, eu perceber a dimensão desse sentimento que tomou conta de mim. Aquela música da banda Queen, You are my best friend, por exemplo. Tinha a sensação de que quando associasse alguém a essa canção teria encontrado uma pessoa por quem valeria a pena derrubar meus muros. E, olha só, do nada, um dia, pensei em você e nessa música ao mesmo tempo. Sabe o por quê? Amore mio...

Fingers

           Senhor Dedos Mágicos, minha calcinha não esqueceu de seus dedos dentro dela. Nem outra parte recôndita de minha anatomia. São lembranças úmidas de uma noite fria por fora, mas fervendo por dentro. Minha boca também manda lembranças à sua, que perdição nossas línguas se encontrando. Desde aquela noite, sonhos eróticos e malucos tumultuam meu sono. Uma imensidade de ideias e suspiros estão ecoando em cada lugar que vou. Quem diria, aquele cara quieto, sem jeito, hein? Uma ótima surpresa. E eu que pensei que você não fosse de nada, resolvi dar uma chance nem sei bem o motivo, carência, tesão recolhido, sei lá. Você esconde bem o jogo. Apenas um toque e eu quase tive uma síncope.  Senhor Dedos Mágicos, depois daquela noite tenho quase certeza de que quando não apenas seus dedos encontrarem minha intimidade, mas todo o resto, o Vesúvio em erupção será uma pálida lembrança. Acredito que será bom para ambos. Um cara que tem seu toque, es...

Eu em mim

Eu estive aqui ontem. Hoje, sou outra a surgir. Eu estive aqui há um mês. Hoje, não quis voltar a dormir. Eu estive lá há um ano. Voltei agora e eu não sou o mesmo lugar. Eu me apaixonei há quatorze meses. Hoje, sou outra e não amo. Eu amei profundamente há três anos. Hoje, lembro com um afeto intenso, mas é outro o coração que pulsa. Eu me namoro hoje. Há oito meses queria morrer. Não sou a mesma em mim, mas somos as mesmas em processo de mudança. A Claudia melancólica, a Claudia fechada, a Claudia vibrante, a Claudia sombria, a Claudia falante. A Claudia quieta. A Claudia poeta. A Claudia que é a água de um rio, o sopro do vento, a chama da vela e a floreira da orquídea. A Claudia que me habita e a quem amo muito. A desesperança e o desânimo são intangíveis e impermanentes.  Meu amor por mim é árvore, que cresce um pouco todos os dias. Sou eu em mim, na mudança do hoje e do amanhã.